A importância da Filosofia ou o convite à Filosofia
- Thiago Carvalho
- Dec 20, 2022
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A Filosofia assumiu um novo destino, o de não assumir como fato o que não passa pelo questionamento...
Certamente havia filosofia antes dos gregos. Porém, é nos gregos que ela alça seu início, isto é, é na Grécia Antiga que a filosofia assume uma forma consistente: que seu método, estilo, figuras, personalidades máximos entram em cena; ao menos, em resumo, é isso que Nietzsche e Xavier Zubiri dizem.
Assim, a filosofia inicia mesmo com os pré-socráticos, cuja característica fundamental era a ruptura com o pensamento mítico.
Mas, o que é pensamento mítico?
Ora! É aquele modo de considerar a realidade a partir da narrativa religiosa em que o mundo é habitado por anjos, demônios, deuses, ou é o mundo no qual não se tem por figura – ou por padrão – o pensamento racional (o nosso atual modo de pensar); ou seja, nosso próprio modo de pensar tem tudo a ver com a revolução filosófica grega, a qual pede mais que crença... Pede princípios lógicos.
Não mais, portanto, devemos compreender a realidade a partir da alegoria, da narrativa, do sacerdócio, do mito, porém pela busca do que há na realidade que a organize e a torne compreensível à inteligência. Assim, o pensamento pré-socrático – calcado sobretudo por Tales, Heráclito e Parmênides – abriu a possibilidade [que se efetivou] de virar-se a página da História. Não mais Mythus, mas, sim, Logos.
Contudo, o mundo de hoje ainda comporta em si a possibilidade de se pensar e sentir a partir do mito. Ou, dito de outro modo, não houve uma completa ruptura entre Logos e Mythos, ou entre Razão e Fábula. Nosso cotidiano é ainda prenhe de imaginação, de crendices, de superstição. Nesse sentido é que, após os pré-socráticos, aparece Sócrates: o divisor de águas. Este, além de buscar apelar ao viés do Logos, faz uma profunda virada na filosofia: busca pensar não a Arkhé — o princípio original de tudo — mas criticar o senso-comum.
Pergunta Sócrates:
“Atenienses, quem de vocês sabe realmente o que diz saber?”. (PLATÃO, 399 AEC).
O que Sócrates quer é mostrar que aquilo que por vezes tomamos como verdade — fatos — não o são; não quando são postos à prova. Essa atitude de perguntar o que é algo e pedir razões e após refutá-las, quando não há razões, é a tal ironia socrática [isto é, a ironia consiste em inverter a lógica de algo; assim, quando Sócrates perguntou, por exemplo, o que era a justiça, ele supôs não saber; e perguntando a uma autoridade, por exemplo, supõe que esta saiba, porém o seu diálogo conduz o interlocutor à refutação, de modo a mostrar o inverso do que o interlocutor pensou como fato].
Portanto, o que se quer dizer é: em Sócrates a filosofia assumiu um novo destino, o de ser crítica do senso-comum; ou de o de não assumir como fato o que não passa pelo questionamento.
Assim, nascem não apenas os assuntos filosóficos, mas os métodos e os problemas filosóficos. Os assuntos dos pré-socráticos eram a tentativa de pensar a realidade buscando nesta o que é originário, o que é consistente, o que é transitório, ou, mesmo, buscavam-se pensar o Cosmo, isto é, a Natureza organizada [physis] — o que era acessível ao homem.
Em Sócrates, porém, em vez de Natureza, pensam-se os costumes, de modo a pôr em questão problemas como “o que é a verdade?”, ou “o que é a justiça?”, ou "Deus existe?”, ou “como o homem adquire conhecimento?”. São, na verdade, perguntas filosóficas.
Nós, hoje, contudo, não damos conta disso. Hoje, se costuma pensar que filosofia não tem importância, somente a ciência. No entanto, seu valor será mostrado, visto que, além do que será dito aqui, em resumo, a filosofia expressa os desejos da alma: suas perguntas e respostas são tentativas do espírito humano (de nosso caráter) de compreender a realidade racionalmente.
Nessa linha de pensamento, há outros problemas, porém o que se quer dizer é: a filosofia é um organismo vivo à medida em que é parte da História Humana ou, ainda, à medida em que reflete e abre espaço às questões fundamentais do espírito humano. Questões, não raro, ocultadas da consciência [isto é, questões que no geral a gente tem, mas não expressa ou verbaliza]. Todavia, sua definição, utilidade e desenvolvimento não terminam aí. Na medida em que a filosofia é problematização do senso-comum e um método de averiguação da validade de um raciocínio, é também correção dos erros ou dos pré-conceitos sedimentados [isto é, heranças culturais que são assumidas como verdade sem o nosso exame, ou sem crítica, tomadas como “verdades” por conta da tradição de uma sociedade, comunidade, religião ou sistema político].
Apesar de ser ignorada pelo homem moderno, ela está presente hoje no cinema, na literatura, na universidade, nos memes, como está cada vez mais presente no cotidiano de pessoas simples [como você e eu — operários de uma grande indústria chamada mundo]; ela tem se expandido, apesar do significativo desgosto do homem moderno pelo conhecimento formal ou espiritual, o que significa que há um espaço para si, pois, assim me parece [!], o homem não é um ente apenas gerenciado por demandas físico-químicas, bioquímicas, neurofisiológicas, etc., mas por aspirações maiores: aspirações ao Logos, ao Sentido, à Sofia, a Théos, mesmo que tais entidades sejam apenas subproduto da atividade neuronal [— isso não importa!... Pois são reais enquanto duram e constroem sentido para nossa vida]. Ou seja, como o homem não é apenas ente material, mas ente que precisa construir um sentido para sua vida, que ama, que perdoa, que vive, cujo caráter ou personalidade está diretamente ligada à cultural, isto é, valores, língua, espaço geográfico, tempo, tradição, saberes locais, etc., é que a filosofia tem espaço, pois põe em relevo as questões da alma [supondo que ela exista.
Ora! É justamente porque a “alma” humana é mais que sua existência material — e justamente porque o homem quer um significado — que há ainda espaço, no presente mundo, diga-se, da computação, dos drones, do mercado financeiro, da robótica, da automação, etc., que há espaço para algo como reflexão.
Ora! Dito isso, podemos dizer que não basta ter o que comer, onde dormir, dinheiro e posses, em resumo, mas sim uma orientação sobre como lidar com tais coisas que a filosofia tem — mesmo sem querer, pois a filosofia não tem obrigação a nada — sua utilidade: ela poderá dá sentido, ou, orientar-nos no mundo. Questão, diga-se de passagem, fundamental, pois sabemos que o modo como nós nos orientamos, o modo como nós nos vemos, vemos o outro, vemos o mundo, determina o grau de bem-estar. Isto fica evidente quando se estuda psicopatologia. Sim, boa parte dos transtornos de personalidade consistem em um modo disfuncional, inadequado e ruim de se orientar ou ver a si mesmo, os demais e ao mundo.
Assim, em sentido de descrever brevemente o percurso da filosofia a fim de caracterizá-la, defini-la, que é propósito deste texto, sabemos que, além de ser a busca pelo que há de verdadeiro no real, além de buscar o raciocínio correto e, portanto, de indicar o erro (o raciocínio incorreto), além de ser a crítica aos costumes (ao senso-comum), além de ser a busca pelo sentido de ser, é também a busca, como disse Deleuze, por "denunciar a estupidez".
Ora! Mas, o que poderia ser estupidez?
Nada mais que o erro, o pré-conceito [o que é anterior ao conceito ou à crítica], a mentira, a injustiça, a ignorância, a violência sem ordem (finalidade ou princípios), etc. Que tal a gente — sim, você e eu, nós — tentamos problematizar o senso-comum, procurar emitir juízos corretos, combater ao erro, fazer oposição ao pré-conceito, nos orientarmos em vista de nossa “alma” ou das questões existenciais, ou, ainda, de denunciar a estupidez?
A gente pode tentar. Veja, esse trabalho poderá ser seu destino! Sim, você poderá já, de imediato, ter encontrado seu sentido: o seu norte.
Thiago Carvalho.
Psicólogo e pós-graduando em neuropsicologia.