A última Flor do Lácio
- Alberto Rios
- 17 de dez. de 2022
- 3 min de leitura
A gramática normativa serve como instrumento que objetiva induzir o uso do idioma por uma receita prescritiva...
Ela nunca se contentou sozinha. A língua portuguesa (LP) nasceu de outra, sim. A língua mater? O latim! Do útero da Península Ibérica, no corpo do Lácio, seios da Itália, a gestação ocorreu por ascensão do Império Romano. Da mistura de muitos fluidos (influência de povos, como árabes e bascos) e de duas variedades, latim culto e vulgar, toda essa miscelânea formara uma língua seminal capaz de ultrapassar os limites da Península e chegar a outros continentes, como Ásia, África e América. Apesar de todos esses flertes, há quem diga que a LP tem ou deve se manter monogâmica, sem se roçar em nenhuma outra língua. A gramática normativa serve como esse instrumento que objetiva padronizar e induzir o uso do idioma por uma receita prescritiva.
Antes de se casar com o português fundando no século XIII, data de fundação do reino de Portugal, a LP manteve relações íntimas com moçárabes (povo que se deu pela mistura do latim com o árabe) e germanos, e do basco, único povo que conseguiu preservar sua língua no início da dominação de Roma. Um exemplo dessa penetração linguística é o sêmen basco, que se fecundou à língua portuguesa pelos seus sufixos – “rro” (como em bezerro, cachorro) ou “rra” (como em guitarra), palavras até hoje usadas no português, havendo o roçar de idiomas –, isto é, encostou-se no outro sem se fundir, capturou-se em atritos aglutinando elementos do outro; namoro que deixou esses filhos. Trazendo à lume concepção dialógica de Bakhtin (1988) [1] de que é preciso pensar, antes de tudo, a língua como um elemento interacional, não é espanto ver todo roçar da LP, pois como supradito, desde o início a LP foi concebida num lugar com muitos povos e, por seguinte, diversos modos de vida.
Uma noção adsciplinar é posta em voga:
Quase me apetece dizer que não há uma língua portuguesa, há línguas em português [2]. (SARAMAGO, 2023).
Sob essa luz, houve o português do Império Romano, o medieval e o de hoje. Ademais, há diferenças entre o próprio PE (Português Europeu, de Portugal) e o PB (Português do Brasil). Embora o mote deste texto seja a LP no mundo, vale frisar sobre a noção polímata da língua: em Portugal se sorve o coco, no Brasil se chupa a manga. Apesar de significarem a mesma coisa, há nisto a identidade linguística, existindo mais de uma língua portuguesa. Geograficamente, “no século XIIV, os portugueses descobrem os arquipélagos da Madeira e dos Açores. Em 1415, tomam Ceuta. Descem pouco a pouco à costa da África. Em 1488, Bartolomeu Dias dobra o Cabo da Boa Esperança. Em 1498, Vasco da Gama chega à Índia, chegam à China e ao Japão”. (TEISSYER, 1982). Assim, isso nos mostra como e quando a LP se espalhou a outros lugares no mundo.
De outra feita, há de se salientar o enquadramento feito pela gramática de modo muito hermético, como se só existisse um tipo e apenas servisse para dizer como se escreve ou fala. Todavia: “(...) Ensinar gramática descritiva não seria, evidentemente, ensinar linguística na escola... A proposta consiste em trabalhar os fatos da língua a partir da produção efetiva do aluno. (...) O que ele produz reflete o que ele sabe (gramática internalizada). A comparação sem preconceito das formas é uma tarefa da gramática descritiva e a aceitação ou explicitação da aceitação ou rejeição social de tais formas é uma tarefa da gramática normativa. As três podem – evidentemente – conviver na escola”. (POSSENTI, 1996, p.89) [3].
Neste sentido, o uso da gramática corroborou [de algum modo] para criar parâmetros a qualquer idioma, em especial a LP em questão.
Por fim, durante os aproximados 800 anos de história, a língua portuguesa teve muitos namoros, flertes e (porque não dizer) casamentos e/ou fundações, haja vista que essa língua – nascida do latim – se tornou oficial em vários continentes de mundo, rompendo as fronteiras da Península Ibérica. Outrossim, se chegou a tantos lugares, do Oriente ao Ocidente, obviamente que ganhou tonalidades distintas com o tempo; assim, propiciando uma vastidão capaz de fazer existir mais de um português, apesar da gramática que acena para determinar uma forma padrão de uso da língua.
Creio, portanto, que é preciso ver as diversas relações da língua, ora como uma noiva que se casa apenas com um noivo (uma gramática alusivamente), ora com diversas variedades ou variações em consonância aos diversos povos que “roçaram nela”, a língua portuguesa.
Saudações lusófonas,
Alberto Rios.
Letrólogo.
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[1] BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia, Trad. LAHUD, Michel e VIEIRA, Yara Frateschi. 4ª ed. São Paulo: Hucitec, 1988
[2] Fala trazida no documentário de Lopes V, diretor. Língua: vidas em português. [Filme]. Rio de Janeiro: Riofilme, 2003.
[3] POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola? Campinas: ALB Mercado de Letras, 1996.




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