Ciro e cinismo
- Douglas Mattos
- 27 de jan. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 16 de nov. de 2023
Não nos parece lícito, como os adversários do PDT fazem (e eu mesmo já o fiz) equivocadamente – em desonra à filosofia clássica e seu esplendor – associar o termo “cirismo”, por mera semelhança de fonemas, ao da fantástica escola cínica, cuja referência máxima é o absolutamente único Diógenes de Sinope.[1] Em despeito das palhaçadas, gracinhas e provocações do velho Ciro, excelentes para um churrasco em Brasília, comparar um homem que mal balbucia filosofia com o gênio que refutou Platão, e ainda zombou de Alexandre Magno, não é [para falar teologicamente] uma espécie grave de pecado?
Igualmente, é com certeza muito indigno que o coronel cearense seja enaltecido como nacionalista, uma vez que, em 1994, enquanto ministro do senhor Itamar Franco, fez de tudo para (e realmente provou) seguir a cartilha psdbista à risca; quer dizer, o Sr. Ciro defende a Social Democracia com fortes traços neoliberais.
Em intervalo, nossa história precisa retroceder um pouco no tempo para depois progredir:
Ciro Gomes começou sua carreira sendo [como eu chamo em linguagem pejorativa] mancebo do Tasso Jereissati. Ele tinha apenas 36 anos de idade quando Ministro e isso, na Política, falando em analogia grosseira, é como se o cearense fosse um "menino buchudo" – como se diz aqui no nordeste; tanto que, antes de aceitar o convite do Presidente Itamar, Ciro Gomes pediu a "benção" para o Sérgio Machado, cujo dois anos antes havia sido flagrado dizendo ao Renan Calheiros, em áudio grampeado legalmente: "Renan, eu fui do PSDB por 10 anos, não sobra ninguém".[2]
Vamos já ao Ciro Ministro, e neste momento, nossa explanação chegará ao seu momento mais técnico, talvez mais chato, mas em concorrência, também mais importante para que o pedetista, nublado pelas cores maravilhosas induzidas pelos feromônios do amor e que ainda vê, em Ciro Gomes, a perfeição em pessoa; talvez possa, diante da visualização inequívoca da lógica mais clara e distinta, analisar as ações práticas do Ciro como Ministro, em 1994 e, finalmente, matar seu amor (caso o leitor seja realmente nacionalista).
Se os olhos, ou ouvidos, forem Social Democratas: "sejam felizes para sempre". No entanto, desejo provar que não sou Iago[3], e vossas excelências também não serão a personificação de Otelo. Vossos sofrimentos de enamorado serão arrefecidos pela consciência fatal das falsidades da amante infiel…
Um último adendo sobre ter um político de estimação qualquer: não é possível que um homem defenda um candidato do seu partido com mais vigor amor e fé que defenderia o próprio pai!
O que vemos hoje (e não só agora, mas tradicionalmente no Brasil), é que praticamente não há Nacionalistas! Há sim, em excesso, mancebos de caciques, girlfriends de estadunidenses e podrugas de russos!
Chega a ser indecente defender um homem da maneira como a militância defende os candidatos a Presidente. É totalmente indigno para um cavalheiro se comportar dessa maneira! Os militantes fingem tantas coisas, mentem tanto pelo "centralismo democrático", não poderiam pelo menos fingir que são homens também, por favor? Vejo brasileiros lutando para namorar russos e estadunidenses, enquanto eu, de minha parte, quero dar porrada (ou ter potencial para) em ambos. Eu fui claro, compatriotas?
Em primeiro lugar, Ciro Gomes tomou como prioridade as privatizações e a inflação, bem como o noticiado pela Folha de São Paulo[4]. As promessas de controle da inflação foram cumpridas da maneira mais rigorosa possível.
Para começar, Ciro Gomes cortou o crédito da população mais pobre.
Antigamente (os jovens não vão lembrar) o uso de cartões de crédito era muito escasso e a população mais carente – e também a classe média – recorria ao sistema de crediário, comprando eletrodomésticos parcelados pela própria empresa vendedora; no boleto.
Ciro Gomes reduziu o parcelamento dos eletrodomésticos de 12 para apenas 03 meses. Para controlar a inflação, a qualquer custo, adotou o estrangulamento econômico, ou seja, tirou o poder de compra da população que mais precisa para que, assim, os índices inflacionários não crescessem, e consequentemente, não causassem uma propaganda negativa às vésperas das eleições, cujo resultado faria vitorioso o sociólogo FHC. A possibilidade de financiar veículos em 50 meses também foi proibida, sendo restrita apenas a 12 meses[5], quebrando as empresas do setor de consórcio – 20 mil desempregados estimados nessa canetada.
Esse é o Cirão das massas!
A justificativa do Ciro para tomar essa decisão controversa é que o comprador de baixa renda era otário ao consumir demais e que, por isso, ele precisava tomar restrições severas.
Quanto à promessa de privatização (não no sentido cínico, o qual procurava a virtude, mas ironicamente), Ciro Gomes, que hoje diz ser nacionalista [e diz até querer reestatizar algumas empresas], não somente era – naquele período – a favor dessas mesmas privatizações, mas também assinou a privatização da Embraer[6] nos exatos moldes que, recentemente, o Paulo Guedes quis privatizar a Eletrobras; ou seja, com o dispositivo "Golden Share".
Ciro Gomes, portanto, enquanto Ministro do Itamar Franco, em 116 dias, conseguiu uma efetividade de privatização melhor do que o Paulo Guedes. Como "pau mandado", Ciro é muito bom.
É necessário lembrar ainda (e o "Roda Viva"[7] deste mesmo ano de 1994 não nos deixa esquecer) que o então Ministro da Economia foi a favor da privatização da Vale; era a favor da privatização do Banespa e de outros bancos. Achava, inclusive, uma aberração a existência de bancos estaduais; e também apoiou a privatização da Telebrás, só tendo mudado de opinião quando mudou de partido e patrões.
Entretanto, o que mais dói no coração, e também na cabeça dos verdadeiros nacionalistas, é o fato de Ciro Gomes ter (sem nenhum escrúpulo) abaixado as alíquotas de importação[8], ocasionando nos quatro anos subsequentes não apenas um número elevadíssimo de falências de empresas nacionais, mas também uma balança comercial negativa[9].
O leitor pedetista, ainda com os últimos vestígios de paixão, poderia dizer que o seu ídolo esteve no cargo por apenas três meses e que o resto do governo foram outros ministros encarregados da pasta, com FHC os liderando como presidente. No entanto, o plano real foi elaborado por Ciro junto com Fernando Henrique e outros cavalheiros pensantes do PSDB; e todos eles são unânimes em dizer que o plano foi um sucesso, ou seja, que foi seguido o método e que se obteve os resultados pretendidos.
O programa Roda Viva também lembra quando Ciro Gomes afirma, em alto e bom tom, que o nacionalismo corporativo foi a pior coisa que já existiu no Brasil. Agora, meus amigos, sussurrando aos ouvidos dos pedetistas: o próprio Leonel Brizola, referência máxima para os senhores, acusou a nomeação do ministro cearense à pasta da Fazenda de estelionato eleitoral que visava apenas a vitória de Fernando Henrique Cardoso e não o bem da população.
Apesar de toda essa lambança (na visão dos nacionalistas, claro está), o que ocorreu com a musa inspiradora desta crônica não foi seu declínio, mas, ao contrário, por conta do aparente sucesso do plano real e o prestígio das teorias liberais subsidiadas pelo Consenso de Washington[10], a influência do senhor Ciro Gomes aumentou mais e mais, inclusive porque, nesse intermédio, o ex-ministro conheceu e se casou com a charmosa Patrícia Pillar, famosa atriz da rede de televisão mais assistida do Brasil.
Tudo parecia conspirar em favor do cearense, até aquele fatídico dia no qual ele foi condenado (tal qual Prometeu, mas por motivo fútil) a viver a eternidade humana – que lhe restava – e preso; tudo num só dia. Aquele dia em que uma esfinge encarnada na forma de jornalista desafiou Ciro Gomes [e este, indefeso pelo seu próprio narcisismo foi devorado].
Explico melhor esse dia e uso um pouco de licença poética para se entender a situação:
Naquela manhã, Ciro Gomes acordou com todas as possibilidades do destino em seu colo e, de fato, até o sol lhe parecia sorrir. Quando abriu a janela, a luz foi intensa, mas a incidência sobre o seu corpo, amena. Tudo convidativo. Tudo estava preparado para ele ser presidente e a sua jovem, e bela esposa, se tornar a primeira dama mais elegante que já existiu. Ciro seria o "Perón brasileiro". A América do Sul se curvaria inteira caso acertasse o enigma que, no final daquele dia, seria colocado. Ele poderia ter respondido que a presença da Patrícia Pillar na sua vida o tornou um homem melhor, que a inteligência da mulher brasileira seria capaz de mudar o mundo através da educação, da orientação aos jovens brasileiros, que amava e que era feliz.
Contudo, ao contrário de todos os prognósticos, Ciro Gomes deu uma resposta inusitada, levado pelo seu lado mais sombrio, infantil, misógino, idiota, e (por que não dizer?) bestial aparece, dando a entender: "O papel da Patrícia Pillar é na minha cama"[11].
Assim, o fim de Ciro Gomes (o fim do político, evidentemente) não se deu gradualmente, passo a passo, como uma doença que vem matando a sua vítima aos poucos. Distante disso, Ciro Gomes foi totalmente arrebatado de forma que ele mesmo não sabe até hoje que a sua carreira já acabou, pois é um espectro, um holograma, um personagem do que poderia ser... Talvez, a sua consciência, a sua consciência verdadeira (aquela que habita em todo humano, por pior que seja), ali, bela e nua, ainda que sequestrada, maltratada, ainda que reprimida, machucada, mutilada pela vaidade, olhando sem dizer nada, possa se fazer entender: "Ciro, o seu tempo passou".
O fato é que Ciro Gomes nunca soube andar com as próprias pernas e o destino provou isso. Como o mancebo de Tasso Jereissati, Sérgio Machado, Steinbruch[12] (líder do consórcio que comprou a Vale) e de PSDB, o nosso protagonista foi excepcional. Não houve culpa da esfinge, não houve culpa da jornalista, não houve culpa da Patrícia Pillar, nem mesmo do Ciro ou de nós eleitores. Simplesmente, o cavalheiro em questão não está preparado para missão a qual almeja. A função do Ciro, a sua função social por natureza é ser um "pau mandado"; ele não pode, de jeito nenhum, tomar decisões por si. A sua história se mostra com muita dor.
Quanto aos risos, palhaçadas e mentiras que escutamos numa reunião do PDT, seja grande ou pequena, em que o Ciro está presente, realmente podemos acreditar, erroneamente, como bem narrado (suponho), que ali existem pessoas cínicas, irônicas, e sarcásticas; no entanto, o que vemos não é um sorriso malicioso de pessoas que sabem demais, que estão cansadas de saber, que tem o tédio apático, no sentido cínico, próprio do saber. Acima de tudo, não vemos nos atos dos fãs de Ciro Gomes a "autarquia" procurada por Antístenes[13], o fundador do cinismo.
Em contraposição, o que vemos nessas reuniões são risos bobos, ingênuos, de pessoas que, na verdade, não sabem de nada e nada querem saber. Mas, são – completando o ciclo de nossa história – os novos mancebos. Ali, ouvindo aqueles grunhidos passivos, duvido que exista realmente algum homem, ou mesmo um cachorro; talvez, quem sabe, apenas hienas jovens em torno da carniça.
Hoje, tas hienas dizem ser Nacionalistas, mas o Sr. Mauro Benevides, virtual Ministro da Economia do Ciro na última eleição, desejava vender mais de 70 empresas estatais[14]. As hienas dizem em coro: "Privatização é ferramenta!"; E, ao mesmo tempo, defendem que os quase 30 anos que passaram transformaram água em vinho, ou seja, um social democrata em um nacionalista. Insistem ainda que, apesar do Sr. Ciro não ter cumprido a promessa empenhada por ser antecessor no Governo do Ceará e ter negado o então financiamento para Gurgel[15], o ex-ministro era o mais inteligente e nacionalista dos candidatos em 2022. Entretanto, o Estado Tributário proveniente das economias assistenciais está pelo menos 50 anos obsoleto.
Por fim, Ciro recorre ao moribundo manifesto comunista[16] e, ao ser questionado sobre uma solução para o Brasil, ele responde:
- Imposto altamente progressivo. – Nada mais adequado para uma alma penada.
Saudações Patrióticas,
Douglas Mattos.
Filósofo.
[1] Guimarães, Valmir. Cinismo: Passado & Presente - Universidade Federal de Ouro Preto, 2017.
[2] https://youtu.be/1zpJ5GtNQv0?si=0LO8Rr800UNmNKsq
[3] Iago induziu Otelo a matar sua esposa fiel.
[4] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/9/07/brasil/5.html
[5] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/10/20/dinheiro/20.html
[6] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/12/08/brasil/23.html
[7] https://youtu.be/UnhWumlsRak?si=XH5nguaRuwfAEn2W
[8] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/9/24/dinheiro/10.html
[9] Gráfico 1 e 2.
[10] https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/consenso-washington.htm
[11] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc3108200217.htm
[12] https://www.ocafezinho.com/2018/06/07/ciro-gomes-e-o-espantalho-steinbruch/
[13] https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%ADstenes
[14] https://exame.com/economia/assessor-de-ciro-gomes-fala-em-privatizacao-de-77-estatais/
[15]https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/35017/a-verdade-nunca-contada-equotciro-gomes-e39quebroue39-a-gurgel-empresa-100-brasileira-de-automoveisequot-veja-o-video
[16] MARX E ENGELS. O Manifesto Comunista - São Paulo: Boitempo, 2007
Gráfico 1: Falências após decisões de Ciro Gomes como Ministro de Itamar Franco, em 1994.

Gráfico 2: Déficit na balança comercial a partir das decisões de Ciro Gomes como Ministro de Itamar Franco

Muito bom seu texto!!
Ciro é anti-nacional!