Contra o Capital
- Thiago Carvalho
- 23 de dez. de 2022
- 5 min de leitura
A forma que se obtém a recompensa pela entrega é a de maior salário e, portanto, de poder de compra...
O mundo moderno contém inúmeros problemas. Os mais destacados são os de corrupção, violência urbana e de desemprego [e, por conseguinte, a pobreza]. Claro, há zonas geográficas nos quais não há significativa incidência dos mesmos. Os problemas do mundo moderno são, em parte, inevitáveis.
De onde eles se originam? Sobretudo, o problema de ordem econômica, de onde? Seria uma falha humana, ou algo assim, como um problema na própria conduta capitalista (portanto, em sua ética)?
Ora, certo ou errado, eu acredito que não há apenas uma causa quando temos, ante nós, problemas humanos e sociais. Tais problemas são sempre multifacetados ou pluricausais. Assim, por fim, iremos navegar pela questão. Iremos, portanto, procurar a resposta e se não a encontramos, ao menos cutucá-lo para o problema que aqui se abre.
Iniciaremos pela seguinte pergunta:
O que é a ética capitalista?
Ora, a mesma não é uma palavra, mas um conceito. Ela designa uma conduta do trabalhador ante o trabalho, o que equivale a dizer que o capitalismo disciplina o mesmo. Mas como? O capitalismo quer alguém com algumas qualidades; não qualquer um!
As qualidades seriam algo assim, dito em resumo, como:
1) Compromisso profissional;
2) Adequação ao desenho do cargo;
3) Produtividade.
Portanto, o trabalho (à luz do capitalismo) exige um significativo grau de envolvimento ou sacrifício individual. Aquele que se encaixa no profissionalismo padrão – assim imagina o capitalismo – é produtivo porque se sacrificou. Logo, o mesmo tem de ser recompensado. A forma que se obtém a recompensa pela entrega é a de maior salário e, portanto, de poder de compra. Assim, a mercadoria ou, mesmo, a posse de seu poder de compra é uma medida que equivale ao investimento pessoal à empresa, função ou ao cargo.
Acredito que não preciso justificar o problema em maior detalhe! Acredito, portanto, ser autoevidente que o salário esteja em função do compromisso profissional, da adequação ao cargo e da produtividade.
Ora, de imediato podemos depreender que o capitalismo é exigente ou, mesmo, excludente. Todo e qualquer que não seja comprometido, adequado à função e produtivo tende a ser rejeitado pelo mercado. Não apenas porque o mercado só pense em lucro, mas porque o mundo carece de serviços e produtos. Ora, ninguém em sã consciência — até porque iria violar as noções mais básicas do bom-senso — iria querer contratar alguém que não desse retorno, pois isto implica [em algum grau] a possibilidade de ruína da empresa. Claro que a empresa, por outro lado, não poderá exigir mais que o possível ou, ainda, que o salário do empregado tem de ser correspondente à sua função, isto é, ele não poderá receber menos que merece (porém, também não poderá receber mais!). O que significa, antes do próximo parágrafo, algo assim como uma ética humanizada nas relações trabalhistas e ausência de abusos de ambas as partes.
Por que, contudo, o empregado não poderá receber mais? E como isso constitui um problema?
Se a gente usar o conceito de Justiça de Aristóteles, devemos dar a cada um o que é seu conforme sua igualdade e desigualdade. Hum, como assim? Então, Aristóteles quer dizer que justiça significa dar a quem fez mais, mais? A quem fez menos, menos? E a quem não pôde fazer algo por conta de uma complicação qualquer — por exemplo, a de nascer paraplégico — conforme sua necessidade? Quem, portanto, tem condição de subir uma rampa com os pés, ótimo; quem não tem, segundo este princípio ou conceito, tem de ser assistido, por exemplo, por um elevador.
Contudo, ainda não respondi a pergunta pelo problema de existir um conflito entre o modo como o empregado e o empregador olham o trabalho. Diga-se logo! Não foi dito tudo aqui, mas apenas busco delinear o problema da ética capitalista recorrendo ao conflito no trabalho.
Wellington Amorim Lima, professor universitário, do canal de mesmo nome, em sua aula de ética em Weber — gravada e disposta no Youtube —, tratou de delimitar o que é ética capitalista, a qual eu descrevi acima. No entanto, quando se fala em ética capitalista, se fala também em economia e no motivo pelo qual o Brasil é pobre, mesmo dispondo de maiores recursos que dezenas de outros países (como o Japão, por exemplo). É, então, que o mesmo separa [para fins didáticos] o comportamento europeu do brasileiro, a fim de identificar o problema que está em consonância com a tal ética capitalista.
O capitalismo — disse-o — é produto europeu, mas não só; reflete também a cultura de muitos dos europeus, sobretudo os ingleses e alemães de hoje. Diz-nos que — para além do mérito ou demérito do capitalismo — o mesmo se caracteriza, em países desenvolvidos, por inquirir no empregado a devoção religiosa. Sim, o capitalismo exige profissionalismo, ou, melhor, sacrifício pessoal à empresa. Contudo, como nós — pós-modernos — somos secularistas e não mais acreditamos de verdade em Deus, não vemos naturalmente nenhuma razão pela qual pensar o trabalho como sacrifício.
No Brasil tudo se complica! Aqui não há de modo algum, via de regra, a adequação do espírito brasileiro ao espírito do capitalismo. Ninguém no Brasil tem seu ser — sua sensibilidade — realmente voltada à vida profissional e ainda vê tal coisa como abjeta. Não é, portanto, do espírito do brasileiro ou do Brasil algo assim como fidelidade à vida profissional, nos termos da ética capitalista. Ora, em suma, é justamente esse um dos pontos críticos que explicam a razão pela qual somos subdesenvolvidos.
Claro que isso poderá — sobretudo para quem se sentir pessoalmente ofendido — parecer simplório! Contudo, não se quer explicar tudo com isto; explica-se, porém, que a cultura brasileira está em dissonância com a cultura da empresa ou do capitalismo, sendo isso um dos pontos críticos, pois evidencia uma incapacidade de adaptação. Questão essa, aliás, que tem ramificações em campos tais como o da psicanálise, a qual — usando aqui Marcuse (ou mesmo a Escola de Frankfurt) — diz que o Capital demanda o investimento libidinal na mercadoria, o que implica em certo grau de repressão sexual da classe trabalhadora para que a mesma seja depositada (ou investida, como já disse) no trabalho.
Será o brasileiro disciplinado, comprometido à vida profissional, isto é, situando-a em primeiro plano, adequado às exigências do cargo e produtivo?! Eu, por exemplo, procuro o ser, mas não o sou! Sabe, amigo, é difícil se desvencilhar de hábitos culturais.
Por fim, por ser o fenômeno econômico multicausal e minha hipótese de caráter psicofilosófico, não consigo explicar a causa primeira da pobreza ou, mesmo, do subdesenvolvimento do Brasil, pois só me limitei à questão de tratá-los à luz do conceito de ética do capitalismo versus a inadequação do pensamento brasileiro.
Em resumo:
O mercado demanda compromisso, subordinação, adequação às funções do cargo. Procura valorar o indivíduo à luz de seu retorno à empresa. Isso exige certo grau de sacrifício. Horas de estudo, treinamento, vocação, amor ao trabalho. Contudo, os brasileiros em geral não estão afinados. Nós, portanto, rejeitamos (como nação) a ética capitalista, acima descrita. Culpamos [um acréscimo], porém, os outros pela pobreza. Os partidos políticos vivem de atribuir a causa ao capitalismo ou aos estadunidenses.
Thiago Carvalho.
Psicólogo e pós-graduando em neuropsicologia.




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