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Desmistificando o foro privilegiado

O fim desse foro privilegiado trará mais prejuízo que benefício, a bem da verdade. O benefício que trará será para a própria autoridade investigada...

Resumo


Comentários sobre o foro por prerrogativa de função; alcunhado de foro privilegiado. Objetivo geral: análise sobre o foro privilegiado; objetivo específico: a evolução histórica, para que serve e os prejuízos para ordenamento jurídico a sua extinção, “vigendo” à impunidade e análise da imunidade das funções públicas.


PALAVRAS-CHAVE: Foro por prerrogativa de função. Foro privilegiado. Imunidade das funções públicas.


Análise do foro por prerrogativa de função


O ordenamento jurídico tem ditames legais para ser aplicado a todo e qualquer jurisdicionado. Para solidificar uma parcimônia, a sociedade precisa ser organizada com leis para perpetua-la e a construção dessas normas legais são feitas por membros da mesma sociedade; falando a nível de Brasil – e Brasil contemporâneo, democrático, de direito –, há a previsão de figuras públicas para construção dessas normas legais.


O Brasil, juridicamente como conhecemos, foi formado em 1824 com a Constituição Imperial, a qual já previa a construção dessas normas legais por um grupo de figuras públicas, as quais passaram a ser chamadas de Deputados e Senadores. Tais figuras públicas são passíveis de serem processadas por eventuais delitos que possam cometer e, para isso, se faz necessário um órgão jurídico para processa-las. É aí que nasce o famigerado foro privilegiado.


Contudo, onde está o foro privilegiado no ordenamento jurídico imperial?


Está previsto no Art. 2º da lei de 18 de setembro de 1828. In Verbis:

LEI DE 18 DE SETEMBRO DE 1828 Crêa o Supremo Tribunal de Justiça e declara suas atribuições. (Império brasileiro: vigência da constituição de 1824, outorgada, em 25 de março de 1824).


CAPITULO II

DAS FUNCÇÕES DO TRIBUNAL

2º. Conhecer dos delictos, e erros de officio, que commetterem os seus Ministros; os ilegível Relações, os empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das provincias[1].


[1]BRASIL. lei de 18 de setembro de 1828 (1828). lei de 18 de setembro de 1828. Crêa o Supremo Tribunal de Justiça (de 18 de setembro 1828). Rio de Janeiro, 1923. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-18-9-1828.htm>. Acesso em 18 de fevereiro 2023.

Nascia, assim, o foro por prerrogativa de função que a doutrina alcunhou de foro privilegiado, necessitando ter um juízo competente para julgar determinadas autoridades. A mídia sinonimiza como impunidade, mas não tem a ver com impunidade; e isso será explicado.


A primeira Constituição Republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, trouxe o fenômeno do foro por prerrogativa de função, previsão legal no Art. 59, I, “a”, “b”, “c”, “d”, "e” da CF/1891. In Verbis:

Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:

I - Processar e julgar originária e privativamente:

a) o Presidente da República nos crimes comuns e os Ministros de Estado nos casos do Art. 52;

b) os Ministros Diplomáticos nos crimes comuns e nos de responsabilidade;

c) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros;

d) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados;

e) os conflitos dos Juízes ou Tribunais Federais entre si, ou entre estes e os dos Estados, assim como os dos Juízes e Tribunais de um Estado com Juízes e Tribunais de outro Estado[2].


[2]BRASIL. Constituição (1891). Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil (De 24 de fevereiro de 1891). Rio de Janeiro, 1891. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicao91.htm>. Acesso em 18 de setembro de 2023.

Peço vênia para falar da introdução desse fenômeno jurídico somente com essas duas normas legais, constituições. Agora, darei um salto temporal e vou para a neocontemporaneidade, a fim de falar da Constituição Republicana de 1988 que também prevê o foro por prerrogativa de função, famigerado foro privilegiado. Autoridades determinadas na Constituição tem esse foro para “facilitar” o julgamento dessas autoridades quando essas cometem ilegalidades.


A previsão está no Art. 53, § 1º, CF/1988. In Verbis:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)[3].


[3]BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2023]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 18 de fevereiro de 2023.

O foro por prerrogativa de função (foro privilegiado) nada mais é do que o juízo competente para julgar aquela determinada autoridade; por isso, está claro que nada tem a ver com impunidade. O fundamento da competência do Supremo Tribunal Federal é previsto no Art. 102, I, da Constituição Federal de 1988. In Verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - Processar e julgar, originariamente:

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, ressalvado o disposto no Art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no Art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)[4].


[4]BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2023]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 18 de fevereiro de 2023.

Afinal, por que essa “obsessão” em “jogar a culpa” no foro privilegiado?


Ao meu ver, é – justamente – por ser alcunhado de foro privilegiado. O termo “privilégio” significa “algo bom”, “vantajoso”. Mas, juridicamente, falando do privilégio relacionado ao foro, é (simplesmente) por ser para pessoas determinadas.


Essa obsessão na discussão sobre o foro privilegiado chegou a um nível em que foi proposta uma PEC, a PEC 333/17[5], proposta pelo, então Senador, Álvaro Dias, enviada à Câmera dos Deputados para votação. Em caso de aprovação, passaria a ter alteração constitucional, findando o famigerado foro privilegiado (até o momento da construção desse trabalho, a referida PEC não foi votada e aprovada; ou seja, não houve alteração constitucional para o fim do foro privilegiado).


Peço vênia para esboçar a minha opinião sobre o famigerado foro privilegiado:


O fim desse foro privilegiado trará mais prejuízo que benefício, a bem da verdade. O benefício que trará será para a própria autoridade investigada. Explico por meio do seguinte cenário hipotético: houve alteração constitucional e não existe mais o foro privilegiado. Um determinado senador está sendo processado por desvio de verbas (Emendas Parlamentares) e, com isso, está sendo processado pela Justiça Federal do estado X. Com toda sua influência política, ele pressiona o juiz federal desse Estado (ameaças e ameaças de morte, inclusive); o juiz federal, por sua vez, com medo dessas ameaças, inocenta esse réu e, assim, existe [com materialidade] a impunidade. Já com o foro especial, nesse caso, a influência desse Senador já não tem tanto peso para pressionar e ameaçar os ministros do STF.


Então, de quem é a “culpa” dessas “impunidades”?


A imunidade dessas autoridades. Falaremos agora um pouco dessas imunidades quanto ao cargo de Deputado Federal, o qual tem sua imunidade parlamentar prevista no Art. 53, § 2º, da Constituição Federal de 1988, In Verbis:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001).


§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)[6].


[5]DIAS, Álvaro. PEC 333/2017. Câmara do Deputados. 06 jun. 2017. Disponível em: <https://www.câmara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A938076D39D405CA86D4DFB7A43588B0.proposicoesWebExterno2?codteor=1566703&filename=PEC+333/2017>. Acesso em: 18 de setembro de 2023.


[6]BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2023]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 18 de fevereiro de 2023.

Em um trabalho específico, eu falarei sobre a imunidade dessas autoridades e o porquê de elas existirem. Mas, para não fugir da temática, digo que o motivo pelo qual se tem a sensação de impunidade é essa tal imunidade, principalmente por obrigatoriedade de ser possível a sustentação da investigação pela Casa.


O Presidente da República, por sua vez, também tem imunidade. A existência dela seria para não haver “dificuldade” do exercício do cargo, segundo o previsto no Art. 86, da Constituição Federal de 1988. In Verbis:

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.

§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções[7].


[7]BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2023]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 18 de fevereiro de 2023.

Portanto, a “culpa“ da “impunidade“ dessas autoridades não é o foro por prerrogativa de função (o foro privilegiado), mas a imunidade é necessária ao exercício da função. Como todo ser humano tem suas ganâncias, existem os abusos dessas imunidades que – por causa da morosidade da justiça – acaba na impunidade.


Então, a solução que vemos é: uma reforma (a ser muito bem estudada) em questão da imunidade para o exercício das funções públicas eletivas.

Referências


DIAS, Álvaro. PEC 333/2017. Câmara do Deputados. 06 jun. 2017. Disponível em: <https://www.câmara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A938076D39D405CA86D4DFB7A43588B0.proposicoesWebExterno2codteor=1566703&filename=PEC+333/2017>. Acesso em: 18 de setembro de 2023.


BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2023]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 18 de fevereiro de 2023.


BRASIL. Constituição (1891). Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil (De 24 de fevereiro de 1891). Rio de Janeiro, 1891. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicao91.htm>. Acesso em 18 de setembro de 2023.


BRASIL. lei de 18 de setembro de 1828 (1828). lei de 18 de setembro de 1828. Crêa o Supremo Tribunal de Justiça (de 18 de setembro 1828). Rio de Janeiro, 1923. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-18-9-1828.htm>. Acesso em 18 de fevereiro 2023.

Hélio Jansen.

Advogado.



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