Uma contradição na Bíblia
- Anderson Cruz
- 26 de dez. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de jan. de 2023
Condutas de desprezo a quem não professa a mesma fé já é – por si só – um pensamento segregador...
Podemos encontrar contradições na Bíblia? Um fato marcante e que devemos estudá-lo detalhadamente é o famoso "Sermão da Montanha", registrado no livro de Mateus, entre os capítulos 5 e 7, na Bíblia cristã. Os ensinamentos dados ao povo servem - até hoje - como parâmetro ético e moral para qualquer sociedade e se encaixa em qualquer contexto. Se o evangelho de Jesus serve como modelo de conduta, então, esse sermão é a base pelo qual podemos viver. Porém, ler textos bíblicos sem a luz desse modelo traz a possibilidade de haver equívocos na compreensão das escrituras, assim como no sentido do próprio evangelho de Cristo. As palavras de Jesus nem sempre foram compreendidas nem por seus discípulos e essa realidade se confirma em alguns trechos de suas cartas. Tais ensinamentos resgatam a essência do amor, da compreensão e do perdão e deslocam o ser humano para fora de uma comunidade restrita, ampliando seus olhares para necessidades alheias.
Talvez, por essa razão é que muitas pessoas pensam esse personagem como um ser divino, com poderes de cura e libertação, e se esquecem de que seus ensinamentos são o que mais importa em nosso mundo. Por isso, citarei duas passagens bíblicas que mostram uma contradição entre o que Jesus pregou e o que um de seus discípulos orientou. Peço que – a partir de agora – você não leia este artigo com os olhos cristãos (caso você os tenha), mas utilize a sua capacidade investigativa e compare imparcialmente os escritos a seguir. Especificamente em Mateus, capítulo 5, entre os versículos 43 e 49, Jesus chama a atenção de seus seguidores quanto às ordens antigas e lhes dá um novo ensinamento:
"Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus. Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos". (Mt 5).
É clara a repreensão de Jesus no tocante ao tratar as pessoas que decepcionam e que constroem fortalezas emocionais ao redor para não se aproximarem daqueles que possuem um estilo de vida diferente.
Ele traz o real significado do altruísmo, onde não se deve depender da reciprocidade para que a bondade exista. Faz valer o famoso ditado: "Fazer o bem sem olhar a quem". Já na segunda carta de João, capítulo 1, versículos 10 e 11, o apóstolo dá uma ordem que se contrapõe ao ensino dado por seu mestre. Confira:
"Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis. Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras". (Jo 1).
De qual doutrina ele estava se referindo? Certo que à de Jesus. Olhando o contexto dessa passagem bíblica, João alertava sobre os enganadores que atraiam fiéis por suas lábias e conceitos anticristãos. No entanto, conduzir seguidores para terem condutas de desprezo a quem não professa a mesma fé já é – por si só – uma atitude anticristã.
É um pensamento segregador e em nada se assemelha ao evangelho de Cristo. Muitos, para defenderem a ideia de que não pode haver contradição na Bíblia, afirmam que o contexto justifica a orientação do apóstolo, pois sua intenção era alertar sobre os enganos dos que se trajavam de cristãos para enganar o povo com suas heresias. Porém, direciono o meu olhar para a orientação em si.
Diante das palavras do próprio Jesus, não há nada que justifique um ato de desprezo alheio. Ao contrário, ele ensinou no "Sermão da Montanha" que devemos tratar bem até aos que nos tratarem mal.
Compreender os ensinamentos de Jesus requer um olhar não religioso, pois a prática de tudo o que ele ensinou rompe as barreiras litúrgicas e tradicionais. Tratar bem o próximo não deve ser um direito, mas um dever, mesmo quando somos caluniados e injustiçados por quem não nos quer bem.
Eu finalizo com a seguinte ilustração:
"Um sábio foi questionado com a seguinte pergunta: Mestre, uma pessoa lhe trata mal e mesmo assim o senhor a trata com bondade e sorriso. Por quê? O sábio respondeu: É porque esse mal não habita em mim".
Anderson Cruz.
Escritor, terapeuta e licenciando em filosofia.
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